Resumo: É sobre Angola que versa esta tese, particularmente aquela que se nos apresenta via literatura e artes visuais produzidas entre 2001 e 2020 – enquanto formas culturais e mídias que se vinculam, dentre outras, à memória. O escopo de investigação gira em torno de três questionamentos, a saber: a) Qual o espaço das artes e da literatura angolanas no cenário cultural pós-guerra?; b) De que forma a literatura e as produções visuais angolanas encenam, nas primeiras décadas do século XXI, espaços (lugar-corpo-memória) marcados pelos condicionamentos históricos, políticos, econômicos e sociais?; c) É possível pensar, a partir das obras de artistas das novas gerações, a construção de outros paradigmas de representação de espaços nas artes angolanas surgidas neste século?. Buscando responder a essas indagações, a investigação, constituída por um corpus ficcional heterogêneo, sustenta-se em um debate teórico-conceitual multidisciplinar, considerando, sobretudo, a perspectiva dos Estudos Pós-coloniais para abordar o campo da memória (vinculada aos lugares e aos corpos) em suas manifestações na cultura angolana. Partindo disso, nos quatro capítulos que aqui se apresentam, a categoria "espaço" assume diferentes conotações – indo desde um aspecto teórico-conceitual (no primeiro capítulo) até um sentido metafórico, que inclui uma análise do campo da produção cultural (segundo capítulo), especificamente o mapeamento de movimentos e de espaços culturais em Angola no período de Paz, em seus embates entre a democratização e a "fronteira de asfalto". Para tanto, recorremos à bibliografia e às informações disponíveis em jornais e em plataformas on-line, além de entrevistas coletadas durante pesquisa de campo em Luanda, em 2019. O conteúdo revelado por via desse instrumento, apesar de não se configurar como objeto central de análise, fornece importantes elementos para a compreensão dos diferentes condicionamentos que conferem às artes e à literatura contemporânea angolana a conformação atual. Nos dois últimos capítulos, voltamo-nos para os projetos estéticos de Ondjaki e Kiluanji Kia Henda – ambos nascidos na mesma década da independência de Angola e cuja entrada no universo da cultura ocorre no alvorecer do século XXI –, a fim de compreender, a partir destes, como narrativas verbais e visuais angolanas produzidas neste século encenam espaços de memória (do lugar e do corpo) marcados pelos condicionamentos do colonialismo, das guerras e do pós-guerra. As análises apontam expressiva atuação de movimentos civis em favor da abertura e da ampliação dos espaços e eventos de cultura, embora ainda persistam significativos entraves e limitações. Quanto às narrativas analisadas, observa-se, no período pós-guerra, o diálogo dos artistas com nomes de gerações anteriores (como Pepetela e António Ole) e com o que já se vinha desenvolvendo na última década do século XX, sobretudo na literatura, notadamente no que se refere à memória (do colonialismo e das guerras), conferindo-lhe também mais evidência no campo das artes visuais. Outro aspecto ainda diz respeito à presença, nas narrativas, de questões relativas à política econômica global, compreendidas a partir do espaço de Angola, mas também das relações transnacionais que caracterizam este século, marcado pelo que Mbembe (2018a) denomina como o devir-negro do mundo Ver menos

Abstract: This thesis is about Angola, particularly the one presented to us through literature and visual arts produced between 2001 and 2020 – as cultural forms and media that are connected, besides others, to memory. The scope of the investigation revolves around three questions, namely: a) What is the space for Angolan arts and literature in the post-war cultural scenario?; b) How do Angolan literature and visual productions enact, in the first decades of the 21st century, spaces (place-body-memory) marked by historical, political, economic and social conditions?; c) Is it possible to think, based on the works of artists of the new generations, of the construction of other paradigms of representation of spaces in the Angolan arts that emerged in this century? Trying to answer these questions, the investigation, made of a heterogeneous fictional corpus, is based on a multidisciplinary theoretical-conceptual debate, considering, above all, the perspective of Postcolonial Studies to address the field of memory (linked to places and bodies) in their manifestations in Angolan culture. Given all that, in the four chapters presented here, the category "space" takes on different connotations – ranging from a theoretical-conceptual aspect (in the first chapter) to a metaphorical sense, which includes an analysis of the field of cultural production (second chapter), specifically the mapping of movements and cultural spaces in Angola during the Peace period, in its clashes between democratization and the "asphalt boundary". To do so, we turned to bibliography and information available in newspapers and online platforms, as well as interviews collected during field research in Luanda, in 2019. The content revealed through this instrument, despite not being the central object of analysis, provides important elements for understanding the different conditions that give contemporary Angolan arts and literature their current configuration. In the last two chapters, we turn to the aesthetic projects of Ondjaki and Kiluanji Kia Henda – both born in the same decade of Angola's independence and whose entry into the universe of culture occurs at the dawn of the 21st century – in order to understand, starting from these, how Angolan verbal and visual narratives produced in this century enact spaces of memory (of the place and the body) marked by the conditionings of colonialism, wars and the post-war period. The analyzes show the expressive role of civil movements in favor of opening up and expanding cultural spaces and events, although there are still significant obstacles and limitations. As for the analyzed narratives, in the post-war period, there is a dialogue between these artists and names from previous generations (such as Pepetela and António Ole) and with what was already being developed in the last decade of the 20th century, especially in literature, notably with regard to memory (of colonialism and wars), also giving it more evidence in the field of visual arts. Another aspect concerns the presence, in the narratives, of issues related to global economic policy, understood from the space of Angola, but also from the transnational relations that characterize this century, marked by what Mbembe (2018a) calls the becoming-black of the world Ver menos