Resumo: O objetivo desse trabalho é pesquisar o significado da implantação da indústria produtora de bens de consumo duráveis durante o governo Juscelino Kubitscheck (1956-1961). Para isso, delimitamos a discussão a dois autores – Celso Furtado e Florestan Fernandes – cuja produção teórico-acadêmica versa sobre o processo de industrialização no período do "desenvolvimentismo", a partir da problemática da superação do subdesenvolvimento e da dependência externa. Nos indagamos até que ponto os desdobramentos do processo de industrialização pesada foram estratégicos para sanar as "promessas do desenvolvimento" que se colocavam naquele período de rápidas transformações, contribuindo para remover elementos arcaicos de um passado colonial que insistia em se recolocar em cada nova etapa histórica. Essas promessas consistiam: na formação de um Estado nacional, capaz de consolidar os centros internos de decisão, firmados em um capitalismo nacional e com capacidade de autodeterminação; e na formação de uma sociedade do trabalho, que subverteria os padrões de sociabilidade baseados na violência e no mando, assegurando a criação de formas democráticas de organização social, competição e mediação dos conflitos entre as classes sociais. Através da investigação historiográfica na obra dos autores selecionados, buscamos responder ao seguinte problema de pesquisa: qual foi o sentido histórico atribuído à implantação das indústrias de bens de consumo duráveis nas reflexões de Celso Furtado e Florestan Fernandes sobre o capitalismo dependente? Para responder a esse problema, organizamos a interpretação dos autores a partir de três discussões: i) o significado da transplantação dos padrões da "civilização ocidental" na formação do capitalismo brasileiro; ii) suas leituras sobre o processo de industrialização pesada durante o governo Kubitscheck; e iii) as reinterpretações sobre a industrialização pesada elaboradas após o Golpe de 1964, com a percepção de que a entrada das grandes empresas estrangeiras durante o Plano de Metas se realizou num contexto de "transnacionalização", no caso de Furtado; e de "imperialismo total", para Fernandes. A partir de suas interpretações, procuramos demostrar que eles convergem no que é essencial: o processo de industrialização brasileiro, dinamizado pelas grandes empresas, se assentou e aproveitou da expansão do mercado interno; mas ao produzir bens e mercadorias orientadas ao consumo dos grupos urbanos de renda elevada, restringia o mercado que poderia atender e se desenvolver de forma articulada. Tratava-se, portanto, de uma indústria que nascia de uma estrutura mercantil, alimentada por investimentos especulativos e oportunistas, sem o grau de integração necessário para dar organicidade a formas de desenvolvimento autossustentadas. Como essa indústria que nasceu da substituição de importações foi tributária tanto de capitais como do fluxo de técnicas que tinha origem nos centros da "civilização industrial" para produzir os bens de consumo finais que pretendia, reafirmava o caráter dependente ao capital internacional e seu polo hegemônico. Assim, ela era funcional tanto ao novo padrão de dominação imperialista como ao capitalismo monopolista pois estabelecia uma nova conexão com o capital internacional, específica da economia brasileira e muito mais profunda que a da fase anterior, possibilitando a expansão interna dos negócios e renovando as "velhas qualidades coloniais" Ver menos

Abstract: The aim of this study is to research the meaning of the implantation of the durable consumer goods industry during the Juscelino Kubitscheck government (1956-1961). Thus, the discussion was limited to two authors - Celso Furtado and Florestan Fernandes - whose theoretical-academic production deals with the industrialization process in the period of "developmentalism", based on the problem of overcoming underdevelopment and external dependence. It was questioned to what extent the unfolding process of heavy industrialization was strategic to remedy the "promises of development" that were placed in that period of rapid transformations, contributing to remove archaic elements from a colonial past that insisted on replacing itself in each new historical stage. These promises consisted of: the formation of a national State, capable of consolidating internal decision-making centers, based on national capitalism with the capacity for self-determination; and in the formation of a labor society, which would subvert the sociability patterns based on violence, ensuring the creation of democratic forms of social organization, competition and mediation of conflicts between social classes. Through this historiographical investigation based on selected authors, this study sought to answer the following research problem: what was the historical meaning attributed to the implantation of durable consumer goods industries in the thoughts of Celso Furtado and Florestan Fernandes on dependent capitalism? To answer this problem, we organized the interpretation of the authors based on three discussions: i) the meaning of the transplantation of the patterns of "Western civilization" in the formation of Brazilian capitalism; ii) their reading about the heavy industrialization process during the Kubitscheck's government; and iii) the reinterpretations about heavy industrialization elaborated after the 1964 Military Coup, with the perception that the arrival of foreign companies during the "Plano de Metas" took place in a context of "transnationalization", in Furtado's point of view; and "total imperialism", for Fernandes. Based on their interpretations, the study tried to demonstrate that they converge in what is essential: the Brazilian industrialization process, promoted by transnational companies, settled down and took advantage of the internal market expansion; but by producing goods oriented to the consumption of high-income urban groups, it restricted the market that could serve and develop in an articulated manner. It was, therefore, an industry that was born from a mercantile structure, fueled by speculative and opportunistic investments, without the degree of integration necessary to give organicity to self-sustained forms of development. As this industry, which was born from import substitution, was taxed both on capital and on the flow of techniques that originated in the centers of the "industrial civilization" to produce the final consumer goods that it intended, it reaffirmed the character dependent on international capital and its hegemonic centers. Thus, it was functional both to the new pattern of imperialist domination and to monopoly capitalism because it established a new connection with international capital, specific to the Brazilian economy and much deeper than that of the previous phase, enabling the internal expansion of business at the same time as renewed the "old colonial qualities" Ver menos