Resumo: Hector Julio Páride Bernabó (1911-1997), que ficou conhecido pelo apelido de Carybé, ganhado ainda na infância, foi e ainda é uma grande referência artística no âmbito das representações visuais (em diversas técnicas e formatos) de manifestações culturais e religiosas tipicamente baianas. Argentino que depois de muitas andanças fixou-se em Salvador, na Bahia, em 1950, naturalizando-se brasileiro pouco tempo depois, Carybé produziu largamente sobre o cotidiano dessa cidade, vivenciando aquilo que retratava: ia às feiras, frequentava e participava das academias e rodas de capoeira e também dos terreiros de candomblé, tendo sido filho de santo e figura importante no Ilê Axé Opô Afonjá . As vivências de Carybé nesses meios são muito significativas e determinantes na fundamentação da construção de suas obras e dão a elas consistência e força tamanhas, que as fazem atravessar o tempo e aparecer com frequência até os dias de hoje. Dessa forma, no que se refere especificamente à capoeira, os desenhos de Carybé que se inscrevem nessa temática destacam-se e aparecem repetidamente estampando materiais (antigos e recentes) desse universo, como livros, camisetas, bandeiras e cartazes dentro das academias de treino e em eventos. Aliadas a uma série de motivações que serão abordadas mais adiante, essa ampla e recorrente utilização dos trabalhos do artista no meio capoeirístico e sua significância como referência na construção da representação imagética dessa manifestação levam esta pesquisa a escolher como recorte e objeto de estudo, para pensar sobre a capoeira representada em linguagem visual, o livro Jogo da Capoeira (1951), escrito e ilustrado pelo artista. Trata-se do número três da Coleção Recôncavo. Publicada pela primeira vez em 1951, na cidade de Salvador, a coleção é formada por dez volumes encomendados pelo governo da Bahia sobre temáticas culturais tradicionais interligadas do Recôncavo Baiano, a saber: Pesca do Xaréu (Wilson Rocha), Pelourinho (Odorico Tavares), Jogo da Capoeira (Carybé), Feira de Água de Meninos (Vasconcelos Maia), Festa do Bomfim (Odorico Tavares), Conceição da Praia (Odorico Tavares), Festa de Yemanjá (José Pedreira), Rampa do Mercado (Carlos Eduardo), Temas de Candomblé (Carybé) e Orixás (Pierre Verger) . O conteúdo do Jogo da Capoeira é composto por um texto breve, de caráter sintético, e escrita formal simples, seguido por 24 desenhos monocromáticos feitos à bico de pena para representar a temática, onde as figuras se formam no contraste das linhas em contraposição à própria cor da superfície do papel. O objetivo desse estudo foi contextualizar este livro e refletir sobre os desenhos nele contidos, em separado e em conjunto. Para isso, se fez importante considerar o suporte de maneira integral e relacionar aspectos como a biografia do artista, o contexto histórico, social e cultural em que o livro foi concebido e publicado e os paralelos com outras obras da própria Coleção Recôncavo. Com isso, tornou-se possível investigar qual representação de capoeira é construída no livro em questão e identificar quais e como os fundamentos e características dessa arte marcial ancestral se manifestam nos desenhos de Carybé a partir do diálogo e intersecção de elementos próprios desses "territórios" em recursos expressivos do campo da linguagem visual, representando o corpo na transformação contínua da movimentação capoeirística, num processo no qual o artista também "joga" nas linhas que desenha com as próprias "linhas" que vê no jogo da roda de capoeira Ver menos