Resumo: Pacientes com hemoglobinopatias podem necessitar de transfusões, o que pode levar a sobrecarga de ferro. O exame de ressonância magnética (RM) pela sequência de T2* é um método não invasivo, sensível e específico para medir a concentração de ferro hepática (LIC) e a concentração de ferro miocárdica (MIC), mas não é tão disponível em países em desenvolvimento onde a doença falciforme (DF) e a talassemia (TAL) são mais prevalentes, quanto os exames de bioquímica tradicionais. O objetivo desse estudo foi avaliar e comparar sobrecarga de ferro em pacientes com DF e TAL em seguimento no Hemocentro Campinas avaliados tanto com exames tradicionais de bioquímica (ferritina sérica, ferro sérico, capacidade total de ligação ao ferro ¿ TIBC, e índice de saturação de transferrina ¿ IST) e hemograma completo, quanto com LIC e MIC medidos por RM, e estudar as correlações entre essas medidas. Analisamos dados de pacientes avaliados entre abril de 2014 a dezembro de 2018. Os dados foram obtidos a partir dos sistemas informatizados do serviço de Ressonância Magnética, Hemocentro Campinas e do Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Clínicas da UNICAMP. Foram incluídos dados de 36 pacientes (25 com DF e 11 com TAL). Sobrecarga de ferro hepática foi encontrada em 23 (92%) pacientes com DF e em 10 pacientes (90%) com TAL. Dois pacientes com TAL apresentaram sobrecarga de ferro miocárdica e foi identificado um caso de sobrecarga de ferro cardíaca grave com desfecho fatal em um paciente com DF. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que essa complicação rara está possivelmente associada com alto volume transfusional e má adesão a terapia de quelação de ferro. Em relação aos exames da população do estudo, a ferritina sérica se correlacionou com LIC (r=0.59, P<0.0001) e com o T2* cardíaco (r=-0.44, P<0.0001). As análises por curvas ROC (Receiver operating characteristic) mostraram que um valor de corte da ferritina de 562 ng/mL teve uma sensibilidade de 93,5% e uma especificidade de 88,9% para identificar a presença de sobrecarga de ferro hepática. Um índice de saturação de transferrina de 95,4% identificou a presença de sobrecarga cardíaca com sensibilidade de 42,9% e especificidade de 96,5%. A análise de um subgrupo de pacientes com mais de um exame de RM nos permitiu determinar que a variação da ferritina se correlacionou melhor com mudanças no LIC em pacientes com DF, enquanto a variação do TIBC se correlacionou com mudanças no T2* em pacientes com TAL. Isso sugere que observar a tendência da ferritina ou do TIBC pode ser útil em decidir antecipar ou postergar exames de RM durante o tratamento desses pacientes. Nossos dados concordam com a literatura publicada, mostrando diferenças no padrão de sobrecarga de ferro entre pacientes com DF e TAL, e sugere que, em locais em que há acesso limitado a RM, exames laboratoriais podem ser úteis para otimizar a indicação de RM para diagnóstico e monitoramento de sobrecarga de ferro transfusional em pacientes com hemoglobinopatias Ver menos

Abstract: Patients with hemoglobinopathies may need transfusions, which may lead to iron overload (IO). Magnetic resonance imaging (MRI) using T2* is a noninvasive, sensitive and specific method for measuring liver iron concentration (LIC) and myocardial iron concentration (MIC) but is not as available as more traditional biochemical tests in developing countries where sickle cell disease (SCD) and thalassemia (THAL) are more prevalent. The aim of this study was to evaluate and compare IO in patients with SCD and THAL under follow-up at Hemocentro Campinas - UNICAMP, as evaluated with traditional biochemical tests (serum ferritin, serum iron, total iron binding capacity - TIBC, and transferrin saturation index - TSI) and LIC, cardiac T2*, and MIC as measured by magnetic resonance imaging, and to study the correlations between the obtained measurements. From April 2014 to December 2018, data from 36 patients (25 with SCD; 11 with THAL) were collected. Liver IO defined by LIC> 2mg/g was detected in 23 (92%) of SCD patients and in 10/11 (90%) in the THAL group. Two patients from the THAL group had cardiac iron overload, and we identified one case of severe cardiac IO with a fatal outcome in the SCD group. A systematic review showed that this rare complication in SCD may be associated with high transfusion burden and poor adhesion to iron chelation therapy. Regarding the lab and imaging tests, serum ferritin correlated with LIC (r = 0.59 P <0.0001) and cardiac T2* (r = -0.44, P <0.0001). Analyses using the receiver operator characteristic curves (ROC) showed that a ferritin cut-off value of 562ng/mL had a sensitivity of 93,5% and a specificity of 88,9% of predicting a LIC above 2mg/g, and a TSI value of 95,4% had 42,9% sensitivity and 96,5% specificity to detect T2* below 20ms. A subgroup analysis of patients with more than one MRI scan allowed us to evaluate whether variations between paired measurements of laboratory and imaging tests were correlated. Ferritin variation correlated better with differences in LIC in patients with SCD, while TIBC variation correlated with T2* in the THAL population. This suggests that observing the trend of ferritin or TIBC may be helpful to decide to anticipate or postpone MRI scans during the treatment of those patients. Our data agree with published literature showing differences in the pattern of iron overload between patients with SCD and THAL, and suggest that, in places with limited access to MRI, laboratory tests may be useful to optimize MRI indication to diagnose and monitor transfusion iron overload MRI Ver menos