Resumo: As experiências de deslocamento que constituíram a cidade de El Alto (Bolívia) a partir das comunidades indígenas demonstram uma inter-relação atual entre urbanidade e comunidades de origem. Esses vínculos são mantidos por famílias aymaras das terras altas que se deslocam entre o campo e a cidade por diversos motivos: vínculos festivos, relações políticas, produção da terra e diversas relacionalidades com o território comunitário. As principais protagonistas destes deslocamentos são as mulheres aymaras. As aymaras tiveram um papel decisivo na formação da urbanidade de El Alto e, portanto, nas suas relações econômicas. El Alto é a cidade boliviana com maior índice de informalidade na Bolívia. É também uma cidade majoritariamente indígena, mas o sentido de "informalidade" não explica as diversas mutualidades presentes nos mercados, feiras, calçadas e bancas de vendas alteñas. Com mais de 400 feiras semanais, a população de El Alto não depende dos monopólios dos supermercados para a sua alimentação diária; seus vínculos de compra e venda respeitam relações de compromisso com as pequenas vendedoras, vínculos que são caracterizados nesta tese como caseridad e as pessoas na relação como caseras. A etnografia presente nesta tese de doutorado foi realizada entre os anos de 2018 e 2024 com vendedoras e compradoras de alimentos da zona sul de El Alto (distrito 3 da cidade). Com base em relações intensas e cotidianas – a partir das quais passei a fazer parte de uma família aymara, me tornei casera vendedora de churros e casera compradora– pude construir laços de caseridad com diferentes vendedoras e compradoras, compreendendo o seu saber fazer na economia: laços afetivos, reclamações, cariño (que também se apresenta como iraqa e yapa), redes de cuidado (unjaña), memória e voltar, elementos presentes na visualidade e no compromisso que possibilita a caseridad. Esses laços me mostraram que as fronteiras impostas pelo sentido de humanidade não são uma realidade nos Andes bolivianos, há uma diversidade de sujeitas na economia da caseridad que estão além desses limites: as outras-que-humanas, a Pachamama, os mortos; além disso, a experiência onírica desempenha um papel importante nestas relações de venda, assumindo um estatuto ontológico e coletivo. Essas economias afetivas da caseridad alteña enriquecem nossas análises sobre as economias populares da América Latina, ampliando nossa visão sobre as transações econômicas e seus sujeitos, economias que não são apenas espaços de produção, circulação e consumo de produtos, mas se mostram como uma rede de mutualidades Ver menos

Abstract: The displacement experiences that constituted the city of El Alto (Bolivia) from indigenous communities demonstrate a current interrelationship between urbanity and communities of origin. These links are maintained by Aymara families from the highlands who move between the countryside and the city for various reasons: festive ties, political relations, land production and various relationships with the community territory. The main protagonists of these displacements are Aymara women. They played a decisive role in the formation of El Alto's urbanity and, therefore, in its economic relations. El Alto is the Bolivian city with the highest level of informality in Bolivia. It is also a mostly indigenous city, but the sense of "informality" does not explain the various mutual associations present in Alteño markets, fairs, sidewalks and sales outlets. With more than 400 weekly markets, the population of El Alto does not depend on supermarket monopolies for their daily food; their buying and selling links respect committed relationships with small sellers, links that are characterized in this thesis as caseridad and the people in the relationship as caseras. The ethnography present in this doctoral thesis was carried out between 2018 and 2024 with food sellers and buyers in the southern zone of El Alto (district 3 of the city). Based on intense and daily relationships – from which I became part of an Aymara family, I became a churro casera seller and a casera buyer – I was able to build caseridad ties with different sellers and buyers, understanding their know-how in the economy: affective ties, complaints, cariño (which also presents itself as iraqa and yapa), networks of care (unjaña), memory and return, elements present in the visuality and commitment that makes caseridad possible. These ties showed me that the borders imposed by the sense of humanity are not a reality in the Bolivian Andes, there is a diversity of subjects in the economy of caseridad who are beyond these limits: the other-than-human, the Pachamama, the dead; Furthermore, the dream experience plays an important role in these sales relationships, assuming an ontological and collective status. These affective economies of the alteña caseridad enrich our analysis of the popular economies of Latin America, expanding our view of economic transactions and their subjects, economies that are not just spaces for the production, circulation and consumption of products, but are shown as a network of mutualities Ver menos